Estudo aponta urgência em fortalecer Coaf para combater crime organizado
Coaf registra salto de 766% em alertas de operações suspeitas em meio a número de servidores abaixo do necessário para atender à crescente demanda por análises no combate ao crime financeiro, revela estudo do FBSP e do Instituto Esfera

Se o Brasil quer combater o crime organizado, precisa fortalecer a capacidade institucional do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). É o que aponta o estudo “Lavagem de dinheiro e enfrentamento ao crime organizado no Brasil: reflexões sobre o Coaf em perspectiva comparada”, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Instituto Esfera.
O levantamento considera a rápida expansão das atividades dessas organizações para uma ampla gama de mercados e setores legais. Segundo o estudo, esse avanço reforça a necessidade de incluir, com urgência, na agenda pública o fortalecimento da articulação entre os órgãos de inteligência financeira e de segurança pública.
O Coaf recebe informações de setores que, por obrigação legal, devem encaminhar comunicações ao órgão, classificadas em dois tipos:
- 1) A Comunicação de Operação Suspeita: quando os setores obrigados percebem indícios de lavagem de dinheiro, de financiamento do terrorismo ou de outros ilícitos em transações de seus clientes. Essas comunicações devem conter a explicação das suspeitas identificadas sobre operações realizadas em determinado período; e
- 2) Comunicação de Operação em Espécie: quando clientes dos setores obrigados realizam transações em espécie (“dinheiro vivo”) acima de determinado valor estabelecido em norma.
As Comunicações de Operações Suspeitas enviadas ao Coaf aumentaram 766,6% entre 2015 e 2024, passando de 296.183 registros no primeiro ano da série para 2.566.713 no último ano disponível.
Já as Comunicações de Operações em Espécie cresceram 353,6%, passando de 1.085.986 registros em 2015 para 4.926.013 em 2024.
Entre 2015 e 2024 o número de RIFs (Relatórios de Inteligência Financeira) produzidos pelo Coaf cresceu 335,9%, passando de 4.304 em 2015 para 18.762 em 2024. Os RIFs são documentos produzidos pelo Coaf que reúnem dados de análises financeiras e contribuem para identificar possíveis práticas ilegais, como a lavagem de dinheiro.
“O aumento da produtividade do órgão demonstra tanto o fortalecimento institucional do sistema de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo (PLD/FT) no Brasil, como a ampliação do uso da inteligência financeira por parte de órgãos como as Polícias Civis, Federal e os Ministérios Públicos”, diz o documento.
Necessidades
Apesar desse aumento significativo de atividades, o estudo detalha que o número de servidores que atuam no órgão continua aquém das necessidades operacionais e analíticas impostas pelo cenário brasileiro.
“O país apresenta desafios de grande complexidade, especialmente no que diz respeito ao crescimento do poder econômico de organizações criminosas vinculadas ao narcotráfico, cujos mecanismos de lavagem de dinheiro tornam-se mais sofisticados a cada dia com o uso intensivo de novas tecnologias para lavagem de capitais, como criptoativos, fintechs e apostas online”, complementa.
De acordo com a publicação, a criação e valorização de uma carreira própria no âmbito do Coaf não apenas contribuiria para a profissionalização da função estratégica de inteligência financeira, mas também representaria um passo fundamental para fortalecer a capacidade técnica, a continuidade institucional e a independência funcional desta importante burocracia pública.
Esse avanço, conforme o estudo, colocaria o Brasil em linha com “as melhores práticas internacionais, alinhando-se às recomendações internacionais sobre governança e autonomia das UIFs”.
O total de servidores alocados no órgão é estimado em cerca de 93 funcionários, distribuídos nas mais diversas funções, a maioria cedidos de outros órgãos do serviço público federal.
Na comparação com outras Unidades de Inteligência Financeira no mundo, o estudo mostra que o FinCEN, dos EUA, possui cerca de 300 funcionários, e conta com carreira estruturada, seleção específica e planos de desenvolvimento institucional autônomos. Já a unidade de inteligência financeira francesa (Tracfin) conta com cerca de 230 funcionários e a do Reino Unido (UKFIU), 150 funcionários, embora sejam países com dimensões muito menores.
Métodos “sofisticados”
O relatório aponta, ainda, como as facções criminosas, em especial o PCC, têm ampliado e sofisticado seus métodos de lavagem de dinheiro, aproveitando-se da digitalização financeira e de brechas regulatórias.
“Três caminhos têm se destacado nesse processo: as fintechs, as plataformas de apostas online (BETs) e os criptoativos”, enumera o levantamento.
Em relação às fintechs, a demora do Estado brasileiro em estabelecer uma regulação para o setor, realizada apenas em 2021, permitiu que muitas instituições financeiras operassem sem autorização do Banco Central.
Para agravar este quadro, a regulação imposta pela legislação foi prevista de forma escalonada, com uma janela de oito anos para regularização. Ou seja, as instituições de pagamento e fintechs devem solicitar autorização para funcionamento ao Banco Central até março de 2029.
A esta demora soma-se o fato de que o credenciamento é de responsabilidade da própria Fintech, o que diante da baixa capacidade do Banco Central de supervisão, permite que muitos destes serviços operem “fora do radar”.
“Não à toa, o crime tem se utilizado de contas gráficas e contas bolsão para ocultar o dinheiro oriundo de atividades ilícitas, impedindo o rastreamento dos recursos pelas autoridades”, diz o estudo.
As Bets, por sua vez, reforça o estudo, têm funcionado como um canal paralelo de escoamento e legalização dos recursos ilícitos destas organizações criminosas.
“A ausência de um de um marco regulatório claro até recentemente permitiu que plataformas de apostas se tornassem um ambiente propício para a simulação de ganhos, dificultando o rastreamento financeiro pelas autoridades.”
Por fim, ainda segundo o levantamento, os criptoativos, especialmente moedas como o Bitcoin, vêm sendo usados tanto para ocultar patrimônio quanto para realizar transferências internacionais com anonimato e agilidade.
“A falta de integração entre exchanges e órgãos de controle agrava o problema, tornando o ambiente de ativos virtuais um enorme desafio para o combate à lavagem de dinheiro”, detalha o documento.
Diante de todo esse cenário, o relatório sugere:
- Ampliar o quadro de pessoal e fortalecimento institucional;
- Fortalecer as bases de informação que subsidiam o sistema brasileiro de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo;
- Melhorar a infraestrutura tecnológica;
- Aperfeiçoar a supervisão de setores não financeiros;
- Melhorar a coordenação entre autoridades.
CNN Brasil
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